quarta-feira, 4 de novembro de 2009

FOLHETIM ALOPRADO


(Esclarecendo:Este folhetim ficção romance-histórico autobiográfico ou seja lá o que se possa considerar benevolentemente isso literatura ou arte, ameaçou sair pelo blog bitorocara ano passado mas não saiu por razões que não vêm ao caso. Resolvemos ressuscitá-lo por conta da necessidade de contarmos a verdade sobre o caso do roubo de uma mala, cuja autoria maldosamente insinuada num comentário no mesmo blog precisa ser esclarecida. O personagem principal é inspirado neste desinspirado escriba que vos escreve, sua historia é muito parecida com a minha. Sim, confesso ao longo da narrativa que fui eu (ou melhor, o personagem do qual sou alter-ego - ou eu que é meu alter-ego, sei lá...) que roubei a mala, com a cumplicidade de mais dois comparsas que ao fim dela serão conhecidos. Quem aguentar chegar ao fim dessa estória, vai saber tudo sobre tão polêmico episódio de nossa emocionante história. Começou a sair no www.sitedozan.com, que ficou pelo caminho. Agora, aqui neste blog, espero que saia e fique na lembrança desses ansiosos leitores por ter continuidade). A foto foi tirada por meu filho Marcus Martins Alves, que passou uns meses por aqui comigo, mas não aguentou o calor e voltou pra Brasília.


“ROMANCE SEM PÉ NEM CABEÇA DE HERÓIS COM ALGUM CARÁTER OU TÚMULOS… ou A CEGUEIRA DA VISÃO É REAL MAS NINGUÉM VÊ”

(pra ler ouvindo raulseixas num som fajuto)

1

Cismava eu sentado num banco da praça Rui Barbosa deserta numa noite quente dessas dum mês qualquer dum ano desses aí, não faz tanto tempo. Lembrava eu do tempo em que de noite isso aqui fervilhava de gente, que nesse tempo não tinha televisão nem escola noturna pras pessoas ficarem em casa ou estudando, fingindo que vivem enquanto lá fora a vida parece uma cidade fantasma de um cinema que fechou há muito tempo. Não é dia nem o vento carrega montes de feno enquanto todo mundo abandonou a cidade por causa de um duelo de dois pistoleiros, lembram?
Lembram nada, lembrar é coisa de velho que quer valorizar aqueles tempos, cinquenta anos atrás. Esqueço o nome do auto-falante que anunciava na voz potente de Etiel Jucá - um tipo galã de filme da Pelmex com Ninon Sevila e seu parceiro romãntico que também não lembro o nome, já me lembrei o nome do infame, Arturo de Córdoba, bigode no capricho e cabeleira preta cheia de brilhantina Glostora - aquela canção que alguém oferece a alguém de blusa vermelha e saia branca, com muito amor e carinho, completamente apaixonado… A música se chamava As flores do jardim e os primeiros versos derramavam:”Voltando agora ao jardim, oh que tristeza, enfim…. As flores choravam de alegria (…) num abandono talvez (…) morrem murchando em botão…” Não é nada disso não, maluco, diz aquela senhora então menina flor alí balançando a cabeça, enquanto tento ruminar lembranças porque memória não vêm fácil quando se quer sofrer menos hoje por uma paixao que torturava um jovem coração de menino magro e feio por uma garota que nem tava aí pra ele, enquanto Zezinho passava pegando na mão de sua garota com aquele andar bamboleante e aquele olho meio cego, eu morrendo de inveja, Zezinho, meu colega de futebol de salão no Iate todo fim de tarde, pra onde foi Zezinho? Tudo bem, minha senhora, mas os versos são aqueles, isso eu garanto. Quem lembrar dessa música por inteiro ganha um brinde ao longo da publicação desse folhetim… (interatividade literária é isso aí…)
Mas literatura é coisa séria diz o crítico ali da primeira fila e há que se respeitá-lo sob pena de se jogar a água suja com a criança limpa fora, além da banheirinha, quem teve filhos (eu os tive quatro, tão por aí sofrendo que ninguém é de ferro) sabe muito bem. Tão séria que eu parei de cismar e lembrar pra receber o primeiro e talvez mais importante personagem dessa trama, que se foi aproximando do banco em que eu engolido por pensamentos não me dava conta do que acontecia ao redor, de tão absorvido. Quando a percebi já estava quase junto a mim, mas tinha descido de um carrinho, um jipezinho desses modernosinho estacionado no meio fio da praça, e pé ante pé tinha deslizado como uma fada, era linda, morena, cabelos negros, magra cheinha e vestidinho hiponga cheio de florzinhas, sandalinha de dedo, ah, meu Deus…
- Zebedeu?
- Sim…
- Tudo bem….? Eu sou Luisa, te procuro desde cedo…
- A que devo essa procura, linda Luisa?
- Posso sentar?
- Desculpe… o banco é seu…
Afasto-me pruma ponta do banco e Luisa senta na outra.
- Obrigada…
Luisa suspira fundo e balbucia.
- Cara, te procuro desde que nasci…
- Sério!!??
- Sério… Mas é uma longa história… Vim de longe pra
caramba, pra te ver…
- É coisa séria, então…
Luisa lembrava um monte dessas atrizes lindas que a gente
vê em novela, cinema, essas criaturas tipo Sabateli, que parecem anjos em forma de mulher…e eu aqui nessa minha vulnerabilidade senil, nostálgico, tou ferrado…
- Seríssima, mas não sei se você topará ouvir…
- Não tenho alternativas, querida, uma moça tão bonita
vindo de tão longe pra me procurar e contar uma história, que é que eu posso fazer…?
- Então tá… A gente podia ir prum outro lugar onde
se bebe ou come alguma coisa?
- Claro, cê já conhece o Açude? No meio dele tem um
restaurante bom de se ficar, não dentro mas à flor das águas, a comida dá até pra comer…
- Já…tou hospedada numa pousada na beira do açude
mas não conheço o restaurante…
Entramos no jipinho de Luisa, ela me ofereceu a direção, me disse que sabia que eu era motorista profissional e eu não pode ser, tem alguma coisa errada com isso tudo, isso não vai dar certo, como sempre… mas fui, fiz o que me pediu e em quinze minutos estávamos no restaurante no meio do açude. Tentei me esconder dos habituais conhecidos do restaurante que estranhavam quando eu aparecia por lá, ainda mais tão bem acompanhado assim… Chegamos, oi, tudo bem, Luisa é uma amiga de Brasília que veio conhecer a cidade e eu tou cinceroneando e tal… Sentamos numa mesa um pouco afastada de onde tinha mais gente, pedimos um peixe, Luisa também era meio natureba e não muito chegada a alcool, como eu também, fomos de guaraná pra beber, satisfizemos a curiosidade de todo mundo sobre mim e Luisa, enquanto a comida não vinha. Estávamos meio famintos, o peixe era bom, em meia hora o devoramos quase sem muita conversa. Luisa então tirou uma foto preto e branco meio amarelada de dentro de uma bolsinha de pano que trazia a tiracolo.
- Conhece alguém nessa foto?
Peguei a foto e fiquei fitando-a por alguns minutos,
pasmo, como se tivesse levado um soco no estômago. Recompus-me aos poucos.
- Onde é que você conseguiu essa foto?
- Responda primeiro a minha pergunta…
- Conheço bem pelo menos uma pessoa aqui…
Apontei com o dedo. Era eu, a foto era de trinta e cinco
anos atrás, São Paulo, Ibiúna, próximo ao histórico sítio onde aconteceu o abortado Congresso da UNE. Os outros eram colegas do banco, rapazes e moças. Lembrava-me do nome de quase todos. Voltei no tempo, a emoção me levou às lágrimas que eu segurei pra não dar vexame tão cedo. Luisa apontou a foto.
- Essa aqui é minha mãe…
- Eu era apaixonado por tua mãe…

Esse outro romance, eu comecei a escrever ainda em Brasília quando resolvi voltar pra cá...Pretendo retomar a escrita dele por aqui...